Aluguel por aplicativo.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar neste mês um processo que vai decidir se proprietários de imóveis em condomínios residenciais podem ou não oferecer aluguel temporário por meio de plataformas digitais. A discussão é nova na Corte e a decisão pode firmar jurisprudência que impactará tanto os usuários quanto os aplicativos de locação temporária.
É a primeira vez que o tema entra em discussão no STJ. O ineditismo do debate foi citado pelo ministro Raul Araújo, também membro da 4ª Turma, que pediu vista logo em seguida ao voto do relator para analisar melhor a questão.
O julgamento ainda não tem data para ser retomado, mas a discussão suscitada e o impacto da decisão preocupa especialistas do setor, principalmente pelas peculiaridades deste caso específico. No processo em questão, a proprietária do imóvel prestava serviços às vezes lavagem de roupas e oferecimento de internet para as pessoas que alugavam por curta temporada.
O advogado Fábio Machado Baldissera, sócio do Souto Corrêa Advogados e coordenador na área imobiliária explica que, ainda que o eventual fornecimento de serviços nos imóveis alugados, como internet, lavagem de roupas, não seja por si só suficientes para configurar hospedagem, esse tipo de serviço é oferecido por menos de 1% de locadores do Airbnb.
“Seria um primeiro marco em relação à posição do STJ, um primeiro direcionamento, não estaria isento de que fosse alterado futuramente, mas seria um indicativo bastante expressivo de para onde o STJ vai se posicionar. Esse julgamento é muito perigoso porque ele pega um caso que possivelmente teria prestação de serviços e é a minoria absoluta nas locações por aplicativos. O caso é bom, mas perigoso porque está tratando uma situação que pode influenciar todo o Judiciário”, afirmou Baldissera.
Ao votar na sessão da 4ª Turma, o ministro Luis Felipe Salomão ressaltou ainda a mudança de paradigma trazida pela economia compartilhada, na qual se enquadra esses tipos de aplicativos e plataformas: “tais atividades estão inseridas na hoje denominada economia de compartilhamento. Como exemplo, vale citar diversas outras plataformas de intermediação como Airbnb, Booking, Uber. A questão nova que é trazida ao debate é, por assim dizer, a potencialização do aluguel por curto prazo envolvendo a permanência muitas vezes de uma única diária decorrente da transformação econômica proporcionada pelo uso da internet ou plataformas virtuais”, disse Salomão.
Para o advogado, que acompanha outros casos semelhantes e processos na área imobiliária, o uso de aplicativos para locação temporária de imóveis só impulsionou o aumento do mercado, mas não se trata de uma modalidade nova. Ele defendeu a importância da discussão e manifestou preocupação no caso.
“Os aplicativos só deram uma impulsão maior para o mercado e aumentaram a quantidade de locação. Essa é uma briga antiga, quando a gente vai em uma cidade litorânea, sempre se teve ali nesses prédios uma polêmica em relação à quantas pessoas vão ocupar, se as pessoas podem usar áreas comuns, o que o Airbnb fez foi potencializar uma situação que já existia. Em vez de estarmos discutindo como regular o setor, estamos indo para uma situação muito drástica, de proibir”, concluiu.
Entenda o caso
A discussão ocorre na 4ª Turma do tribunal, no REsp 1.819.075/RS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão. O recurso foi apresentado por uma mãe e um filho, moradores de Porto Alegre-RS que, após ação movida pelo condomínio, foram impedidos de alugar dependências de seus imóveis sob a alegação de que se tratava de atividade comercial em contraposição aos fins residenciais do local.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que julgou o processo em 2ª instância, entendeu que havia elementos que configurava o uso dos imóveis como hospedagem. Segundo o acórdão da decisão, a reforma de quartos nas dependências dos imóveis, a ausência de vinculação entre locador e locatários, a alta rotatividade de locadores e o eventual fornecimento de serviços, enquadraria as locações como atividade comercial. Esse também foi o argumento levantado pelo condomínio e a sentença acabou condenando a família a se abster da locação do imóvel.
Os proprietários recorreram ao STJ contra o acórdão do TJRS alegando que a decisão feria seu direito constitucional de propriedade. Em voto proferido no último dia 10, o relator concordou com a tese apresentada pela defesa dos réus de que o contrato de locação temporária estabelecido por meio destes aplicativos não configura atividade comercial e que a proibição imposta pelo condomínio fere o direito de propriedade dos donos do imóvel.
“A alegação de alta rotatividade de pessoas, a ausência de vínculo entre os ocupantes e do suposto incremento patrimonial dos proprietários, que não foi demonstrado por provas adequadas, mesmo assim não serve, ao meu sentir, à configuração de atividade de exploração dos imóveis, sob pena de desvirtuar a própria classificação legal da atividade. É preciso analisar os outros aspectos, se não é atividade comercial, qual a categorização do contrato, se ele é adequado à locação e se fere o direito à propriedade a atitude que tomou o condomínio de tentar impedir a locação”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão.
Araújo, concordou inicialmente com o entendimento de que no caso em questão não se tratava de atividade comercial. Ele defendeu ainda que o colegiado firmasse uma tese sobre se a convenção do condomínio poderia proibir os moradores de realizar aluguel temporário por meio de aplicativos. O ministro pediu vista para estudar melhor o caso.